terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Nerêiade

Morena princesa marinha
Tens o hábito de brincar com suas vítimas,
Amarga e adocica,
Afasta-se e aproxima
Tenha cuidado em teus hábitos
Os amores inspiram cuidados
É preciso regá-los
O que não alimentas morre,
Inanição, dor ou pura falta de sorte
Bem sei que não fazes por mal
És apenas inconseqüente,
Em mais um carnaval...

O gosto do gatilho

Apostei as últimas cartas
Abraçado à derrocada
Sorvi ao mal, qual amigo engarrafado...
Ascendi ao abandono do cigarro

A musa com o batom borrado
Qual palhaço triste e cansado
Derrama-se à neve de um sofá ácido
A música rasga a sanidade da manhã

A promessa absolve a suja mente sã
Toda agonia explode em irracional grito
A paixão renega e a pólvora prova o gatilho

O amor não passa do mais fatídico mito
Objetivo e idílio sangrento e fictício
Abismo, mar revolto, dor que insistimos...

Saturno

Céu azul e límpido,
Verde água,
Abrange o ímpeto
Cessa mágoa,
Abraça, ama e mata.
Qual amor que sufoca,
Carinho que maltrata,
Beijo ácido, paixão fátua,
Destila o que provém de tua fala,
Desengana e afasta!
Teu sorriso esconde o vil,
A bela figura onde se esconde,
E o brilho astuto do ardil,
Tens a tendência: o que amas, mata.
Eu, teu insone, sigo o infeliz caminho dos narradores,
Desagravo inábil,
Não te encontrarei no limbo,
Ainda não sei a parte que me cabe no concretismo,
Perdi meus pais e pares na disparidade
Inconsistências, Vênus e Marte...
Soturno Saturno,
Onde se encontram as esferas de quem parte?

Rosa dos Ventos

Impacto luzidio,
Relicário fugitivo,
Abandone o que te consome
Seja sincera
Devassa ou beata,
Não importa,
Largue a máscara
Venha farta

Táctil, o pudor se faz frágil,
A lua múltipla esconde-se cigana.
O vento, cardeal, corre à rosa,
Enquanto oceanos dançam, anacrônicos...
A atmosfera se abre luminosa e vasta
O peito explode o vazio.
Olhos, como sempre, pulsam,
Mas o coração não quer mais ver...

Havia esquecido o quanto doía
Vai-se das nuvens ao chão
Rápido impacto, tal raio,
Fulminante e simples: não

Fresta de sol em dia plúmbeo,
O sonho chorou tua partida,
Só, na caixa de Pandora.
O destino se espalha em estradas tortas...
Escolha qual direção seguir,
Antes que a vida siga sem ti.

Frio deserto,
Adora o que lhe é incerto
A paixão, pára-quedista, segue em queda livre,
Desafia o mais valente dos tementes,
O desejo multiplica cores dançarinas,
A beleza, solitária deusa, tem nome de menina,
Idílica, é musa do ar e das ilhas,
Teu nome, se o quisesse, gritaria...
Mas é de Ulisses a Ítaca.

Epopéia poética e náufraga,
Descortina à nau a bruma
Chacoalha a espuma
Concretiza o abstrato em veia funda
Rompe o véu que te afaga...
Além das nuvens fartas,
O céu de brigadeiro nos aguarda

João Bastos

O poeta

Abandonaram o poeta
Náufrago, enfermo e à própria sorte,
À sua última e lancinante amante
Versejou da pátria o horizonte
E em sua trêmula tumba náutica,
Afaga, ufano, enormes vagas literárias,
Guarda no etéreo das águas plácidas
Na profundeza da alma a última morada
Sem palmeiras, sem sabiá, sem nada.

João Bastos 04-11-08