domingo, 29 de março de 2009

Esfinge

A cada um cabe sua esfinge e próprio abismo
Trama árida da qual a vida tece tênues fios
Enigmas sombrios; calabouços do íntimo
O amor tem na esperança o último abrigo
Mentiras honestas; traição de olhos amigos
Quantas punhaladas suporta o coração iludido?
Seca e cruel, a desilusão é musa de múltiplos disfarces
A língua de Vênus é doce enigma aos ouvidos de Marte
Saudade é para quem fica; a curiosidade é de quem parte...
O fim da existência é entretenimento no diário dos desastres
Solidão, ira e ansiedade; sentimentos que nos invadem
Quantas estocadas sangram o malogrado peito que debate?
Esfinge dos tempos, enigma dos novos dias
A humanidade caminha só e autodestrutiva
O Universo é sem luz, as poesias sem rima
A vida não dança mais aos acordes da lira
À chegada do luar, o Sol, discreto, se retira.
A Esfinge revela o conteúdo de seu enigma:
Como o mundo sobreviverá ao trágico fim da poesia?

sábado, 28 de março de 2009

Estrada

Pé no chão e olhos na estrada,
O futuro a conquistar e o resto é nada!
Deixo o que for pelo caminho,
A roupa do corpo e a vontade de seguir sozinho
Não importa terreno, barreira ou muralha,
Vou a pé, no peito e na raça!
Pode ser sem um puto, duro, às migalhas...
Espero que tudo vá para os raios que os partam!
Eu meto o pé e faço a minha, só na estrada.
O mundo é maior que o quintal burguês da bela casa,
E o que tiver de ser meu, será ou ficarei sem nada,
A liberdade não é pouco e já me basta.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Ao roedor amigo

O prazer com que se apraz no hábito
E a fraca compleição de seu caráter,
Desvirtuado à retidão de molde imutável,
Tende às sombras,
Mascara as oleosas tragédias de sua face,
Destarte, ilude-se, acredita-se, tenta regenerar-se...
Porém és fadado aos maus atos,
À perfídia és obstinado,
Qual escorpião que fere o que transporta,
E segue, Sísifo a enganar a malograda porta;
Levado pelos pútridos estímulos íntimos que venera,
Prazeres secretos que se oblitera,
Gozo espásmico da perversão.

Morde a mão que o alimenta,
Ilude o coração de quem te ama
Delata a confidência estranha,
Mascara, fere, mata,
Semeia tempestade em nuvens claras
Disfarçado, friamente apunhala...
Porém tem em si o fim para seus atos,
Pois dos aspectos mais natos,
Trair é seu hábito,
E quem tem a traição por norte,
Certamente trará isto à própria sorte.

O grito

Na janela, através da noite
O gralhar sombrio da realidade
Um homem, sozinho, grita sobre uma ponte fria
As palavras tiram fotos do que vêem, mas não dizem tudo
Acordados e atordoados, sonham com realidade
E não realizam sonhos

A caverna de Platão ainda abriga alguns eremitas
Sentados, assistem películas sobre o mundo
As matizes, misturadas, constroem um grande caleidoscópio
Através do qual são dissolvidos os dogmas
Símbolos marcam a existência,
Alguns ainda vêm com foto

O diabo, garboso com sua capa vermelha,
Rouba a mulher do poeta,
Mas este não o crê
Vê o mundo qual bacante e descontrói a verdade
Evade-se para a ilha de Thomas Moore
Porém atraca no continente da segunda-feira.

Um homem fez de sua privada uma fonte
Enquanto outro pintava girassóis
Estátuas discutem filosofia
A guerra, pulsante e sangrenta, estática
E a arte reflete a realidade
Com os olhos cheios de sonhos.

A borda da matina

Dois goles de fel
No boteco esperança
Ventura, boêmio menestrel
Flerta e a flor bela, o espanca

Restos de amor no cardápio
Fígado, coração e múltiplos espasmos
Doses esparsas de paixão e sarcasmo
Mergulho lancinante e voluntário

A sombra notívaga, violada e vadia
Beija o vazio enquanto o sol a desvirgina
As máscaras ébrias caem sob a luz do dia

São agruras do Poeta e seu Cão à borda da matina
Após o enigma da noite violenta e sem Lua
Amor deixa o recinto e esquece Solidão sua noiva surda